A enchente

As chuvas intensas são características do inverno amazônico. Mas entre janeiro e abril de 2014, período chuvoso, o estado de Rondônia foi atingido por uma cheia sem precedentes. O rio Madeira transbordou e atingiu a marca histórica de 19,74 metros. Domicílios, ruas, estradas, comércios, escolas, plantações, foram cobertos pelas águas. Imagens de telhados de casas submergidas espalharam-se pelo país através dos telejornais e veículos de comunicação regionais.

Em matéria da Infoamazonia, mais de 150 mil rondonienses foram afetados diretamente pela cheia. A capital, Porto Velho, foi a cidade com maior número de desabrigados.  Os municípios de Guajará-Mirim, Nova Mamoré e Costa Marques – situados na BR-364 – também foram atingidos. O impacto das águas deixou centenas de pessoas desabrigadas e desalojadas.

Alguns dos principais pontos comerciais de Porto Velho, localizados em áreas portuárias, foram totalmente inundados. Como foi o caso do porto Cai N’Água e da praça estrada de Ferro Madeira Mamoré. Com a cheia, o porto teve dificuldades em manter atividades de distribuição de alimentos, combustíveis e dentre outros materiais para municípios do interior. No vídeo a seguir, moradores passeavam de voadeira e registraram a inundação.

Porto Velho abrange a área territorial de 34.090,952 km, equivalente ao tamanho de alguns estados brasileiros juntos. Portanto, as áreas afetadas foram muitas, englobando não apenas o ambiente urbano, mas também rurais. A cidade possui cerca de 60 bairros; e segundo divulgado pelo G1 Rondônia, 17 bairros foram atingidos. Em conversa com nossa equipe, o geógrafo e meteorologista, Rafael França, comentou a respeito das proporções territoriais atingidas pela água.

“Naquele ano [2014], o rio Madeira e outros rios da região, começaram a subir muito além do normal. Então, houve o extravasamento do Madeira pros igarapés de Porto Velho. O rio entrou pelos igarapés, chegando em regiões distantes da margem do grande rio Madeira”, comenta.

Rafael é professor da Universidade Federal de Brasília (UnB), e possui um trabalho sobre os riscos e impactos que a enchente causou na saúde dos porto-velhenses. O artigo foi desenvolvido em conjunto com o professor Francisco de Assis Mendonça, que mostra através da elaboração de um mapa, as regiões atingidas pela enchente.

Região atingida pela cheia do Rio Madeira. Elaboração/Rafael França.

Durante a entrevista, Rafael apontou alguns impactos geográficos causados pela cheia, como de habitação, desalojamento e tráfego de transportes.

A grande cheia interditou as BRS-364 e 319, e deixou o estado do Acre isolado – pois o tráfego de veículos de grande e pequeno porte não conseguiam passar devido a água. A BR-364 é a única estrada que liga o estado do Acre ao país. Antes da paralisação, longas filas de carretas e carros se formavam na tentativa de se locomoverem. Entretanto, conforme divulgado pelo Governo do Acre, o Estado assegurou medidas alternativas para o abastecimento de combustíveis e alimentos.

“O governo do Acre, em parceria com o governo federal, instituições públicas e a iniciativa privada, montou um esquema especial para garantir o abastecimento de combustíveis, gás de cozinha, hortifrutigranjeiros e bens de consumo. Na manhã da última quinta-feira, 13, sete balsas atracaram no porto de Cruzeiro do Sul, trazendo aproximadamente 12 milhões de litros de gasolina, etanol, diesel comum e 60 mil sacas de cimento. Da redação,” Agência de Notícias do Governo do Acre

Em trecho da reportagem exibida pelo Profissão Repórter, programa televisivo do Grupo Globo, é possível acompanhar como era realizada a locomoção de Porto Velho para Rio Branco.

O prejuízo aos afetados públicos e privados foi de 4,2 bilhões. Na época, o governo estadual de Rondônia e Acre elaboraram um plano de reconstrução.  O valor necessário estimado pelo então vice-governador de Rondônia Airton Gurgacz para a reconstrução das áreas atingidas foi em R$ 5 bilhões.

Comunidades de Rondônia e Acre sofreram ainda mais, pois tiveram as plantações atingidas pela água. Fenômenos naturais como enchentes aumentam a insegurança alimentar de povos ribeirinhos. A água contaminada impossibilitou a realização de atividades extrativistas e consumo próprio, como  a pesca. Isso porque os riscos de contaminação por patogênicos transmitidos pela água eram grandes.

São 52 comunidades ribeirinhas localizadas às margens do rio Madeira, próximo à Porto Velho,  todas foram inundadas. No povoado de São Sebastião e São Miguel, por exemplo, flutuantes viraram abrigos para algumas famílias. 

Igrejas e escolas se tornaram, por alguns meses, casas de ribeirinhos e de moradores em bairros atingidos da capital. Até em parque da cidade foram montadas barracas para alojamentos. As vítimas da enchente do Rio Madeira receberam por determinado tempo ajuda com moradia, alimentação, transporte, educação e saúde. O bairro Triângulo foi o mais atingido pela cheia, a maioria dos moradores abrigaram-se em casas de parentes ou em abrigos. 

Após a enchente do rio Madeira, a lama tomou conta das áreas afetadas. Algumas pessoas conseguiram voltar para suas casas. Mas ainda hoje, as águas do rio Madeira, deixaram suas marcas em tudo que alcançou. A reportagem a seguir, do Rondôniagora, mostrou o drama vivido por moradores que largaram o conforto de seus domicílios.

Na época, o governador de Rondônia Confúcio Moura, se reuniu com a ex-presidenta Dilma Rousseff. A reunião abordou e discutiu medidas de enfrentamento aos problemas vividos pela população em função das fortes chuvas na região Norte.  

“A presidenta demonstrou muita preocupação com a situação de Rondônia, do Acre e do Amazonas, e esteve aberta com a apresentação de necessidades para enfrentamento dessa situação de emergência”,  falou Confúcio na época em entrevista para exame.


DOENÇAS

Os prejuízos causados pela inundação, além de econômicos, foram geográficos e sociais. Casos de leptospirose nas regiões atingidas dispararam. Bem como de hepatite, cólera, dengue, malária e doenças diarreicas agudas. Acidentes com animais peçonhentos foram detectados de janeiro a agosto de 2014. O contato de animais como o rato com a água foi um dos motivos para o aumento da leptospirose. 

Gráfico de casos de doenças no período da cheia. Fonte: Artigo A Cheia Histórica do Rio Madeira no ano de 2014: Riscos e Impactos à Saúde em Porto Velho.

Foi notificado em diversos sites de comunicação o aumento de casos de leptospirose. Em anos anteriores a que ocorreu a enchente (2014) os casos dessa doença e de outras foram menores.

“Após o pico de 19,72 metros do nível do Rio Madeira no dia 30 de março, a preocupação cresce quanto aos perigos que o período chamado pós-enchente traz, principalmente por causa da contaminação da água de poços e a formação de criadouros de mosquitos causadores de doenças como malária, dengue e febre amarela. Em virtude disso, durante esta semana uma equipe de técnicos do Ministério da Saúde está em Porto Velho para fortalecer as estratégias de saúde juntamente com a Semusa, Funasa e demais órgãos competentes do Município e Estado,” Site da Prefeitura de Porto Velho, 11/03/2014.

Com a evacuação das águas, muitas ruas e imóveis ficaram lamacentos. Outra doença que tomou conta foram as diarreias agudas também chamadas de DDA. Essas enfermidades são ocasionadas pela ingestão de comidas e águas contaminadas. Alguns dos principais sintomas englobam vômito, dor abdominal e náusea. 

A falta de saneamento básico contribuiu para a proliferação numerosa dessas doenças. Hoje, dez anos após a enchente, as condições sanitárias ainda são alarmantes. De acordo com a pesquisa da Trata Brasil, publicada em 2022, apenas 32,9% da população têm acesso à água tratada; e 5, 16% são atendidos com o serviço de coleta de esgoto. 

Porto Velho continua, há oito anos, no ranking das cidades com piores saneamento básico. A pesquisa avaliou nas 100 maiores cidades do país critérios de saneamento básico como água tratada, coleta de lixo e tratamento de gosto.